CEARÁ MIRIM-RN, 11/12/1909 - RECIFE-PE, 23/01/1992 |
O cearamirinense, que ainda adolescente, na década de 1920, saiu de sua cidade para estudar na capital, passou pelas redações de jornais como A Republica e a Ordem, ainda no Rio grande do Norte. Na década de 1930, seguiu para o Rio de Janeiro para iniciar o curso de Direito, um ano depois se transferiu para a Faculdade de Direito de Recife, onde concluiu sua formação e se estabeleceu. Iniciou aí sua vida pública, tendo se constituído em figura ativa no governo do interventor pernambucano Agamenon Magalhães, que o indicou três vezes para ocupar o cargo de diretor do Setor da Educação. Também foi eleito deputado estadual em 1950 pelo PSD.
Apesar de ter concluído o curso de Direito, Nilo não exerceu a profissão, tendo se dedicado, principalmente, à carreira jornalística, sempre acompanhada do ofício de historiador e de professor, atuando em diversas instituições do Recife, como o Ginásio Pernambucano e a Faculdade de Filosofia do Estado. O cearamirinense ocupou cargos importantes em diversos jornais do estado de Pernambuco, como o Jornal do Comércio e Folha da Manhã. É autor de uma bibliografia vastíssima que versa sobre temas como história das idéias, regionalismo e religião. A partir do final da década de 1950, a memória passa a ser a tônica da obra do autor, que publicou Evocação do Ceará - Mirim (1959); Imagens do Ceará - Mirim (1969); Jornal Íntimo (1975) e A Rosa Verde (1982). Em todos esses livros o tema central é o vale e a cidade de Ceará Mirim, dado a conhecer através da narrativa das lembranças da vida de menino no vale, neto de Senhor de engenho e bisneto do barão do Ceará Mirim (Manoel Varela), criado dentro de uma família tradicionalmente católica e que incutiu no menino os fundamentos cristãos que repercutiriam na vida e obra do homem adulto
Foi no Recife que o homem de formação cristã e conservadora se aproximou dos regionalistas, que tinham como figura central o sociólogo e antropólogo Gilberto Freyre. O contato com esse grupo forneceu diversos elementos que lhe serviram de inspiração na sua obra memorialística, que segue, em grande medida, o modelo das memórias da infância de Nabuco (Minha Formação), tomado por Freyre como a grande inspiração para a construção da tradição literária dos modernistas tradicionalistas, que, por meio da escrita, narravam sua relação com o lugar de origem, construindo para si um lugar e uma tradição . Esse processo é analisado sob o signo de espaços da saudade pelo historiador Durval Muniz, para quem a saudade é “um sentimento pessoal de quem se percebe perdendo pedaços queridos de seu ser, dos territórios que construiu para si”. Do mesmo modo, trata-se de um sentimento coletivo que
Nilo Pereira dividiu sua existência e seu coração entre três lugares diferentes, banhados por águas que direcionaram o curso de sua vida. O menino que nasceu na cidade de Ceará Mirim e se encantou pela serenidade das águas do rio Água Azul, cruzou o Potengi, foi estudar na capital, percorrendo caminhos que o levariam depois até o Recife, porto seguro da sua viagem. São os traços gerais do itinerário da viagem desse cearamirinense-recifencisado, homem guiado pelo movimento das águas doces do rio Ceará Mirim, de Natal e do Recife, que procuramos deslindar, trazendo à superfície as linhas subjetivas que deram forma ao mapa histórico e sentimental desenhado por ele durante a travessia
Nilo Pereira é um homem habitado por mundos diferentes, pois um homem que se diz atravessado por rios, está dizendo que se divide entre várias realidades: a do mundo interior, o Vale, o rio das origens; e o mundo exterior que despertou a memória, que moldou o espírito, o Recife. O homem potamográfico guarda no seu rio interior as lembranças do seu mundo perdido: “três rios correm nas minhas veias: o rio Água Azul, no Ceará-Mirim, o Potengy, na cidade do Natal, e o Capibaribe, no Recife”. Curiosamente, o rio Ceará Mirim, o intempestivo, impetuoso, temporário, não é lembrado pelo autor como um dos rios que correm nas suas veias. O autor, Nilo, nascido no “Vale do Ceará Mirim”, se define melhor na perenidade e serenidade do Água Azul, talvez mais afeito à sua índole – diferente do outro, o rio Ceará Mirim, que um dia foi chamado de Nilo do Vale...
A tensão que divide a vida e o coração de Nilo entre lugares diferentes, principalmente, Ceará Mirim e Recife, em determinado momento começa a aparecer na obra do intelectual, refletindo-se na elaboração de uma escrita memorialístisca carregada de saudade. Essa escrita é alimentada pelas experiências vividas por ele nesses dois lugares. A permanência no Recife fez despertar as lembranças da infância e desse movimento surge o Ceará Mirim da tradição. A força e o lirismo de sua escrita vão dar visibilidade a essa pequena cidade da zona da mata do Rio Grande do Norte, vão colocá-la no mapa do nordeste da tradição, do nordeste do açúcar.
Percebemos, então, que a escrita de Nilo é atravessada por uma relação vital com o vale do Ceará Mirim. O vale e a cidade de Ceará Mirim são a inspiração do memorialista, do escritor, do cronista e do historiador Nilo Pereira. A leitura de Imagens do Ceará-Mirim, publicado em 1969, e, posteriormente, de textos publicados nos jornais durante as décadas de trinta, quarenta e cinqüenta, levou-nos a outros dois livros. São eles: Evocação do Ceará- Mirim, de 1959; e A rosa verde, de 1982. Esses livros apresentam as memórias do autor, na verdade, os textos escolhidos por ele como suas memórias.
A literatura produzida por ele sofre influências das idéias regionalistas que circulavam no Recife nas primeiras décadas do século XX. A literatura memorialística produzida nesse momento tem como tema principal o mundo dos engenhos, busca reconstruir um lugar e uma tradição para o Nordeste. Surgem então memórias de indivíduos, da infância desses homens, mas também da infância de uma sociedade, a sociedade patriarcal, o mundo da cana, dos engenhos, dos senhores e escravos. Os livros produzidos dentro dessa tradição literária são formados por uma escrita marcada pelo sentimento de ausência, pela saudade em relação ao passado. Os escritos de Nilo Pereira sobre o vale do Ceará Mirim, cujos temas são sempre a cidade, o vale e a tradição do passado, fazem com que esse pequeno centro produtor de açúcar do Rio Grande do Norte ocupe também um lugar no mapa do nordeste do açúcar4 , o que aproxima a literatura produzida por ele do grupo de intelectuais regionalistas do Nordeste. Nilo Pereira reconstrói um passado do qual sente saudade, sentimento que funciona como um fio condutor que liga os temas principais da sua escrita
Um outro elemento fundamental da escrita de Nilo Pereira é a religiosidade, os laços que o prendem à igreja católica, ao mundo cristão - primeiro a religião apreendida em casa nas novenas do mês de Maria, nas missas na igreja matriz de Nossa Senhora da Conceição; depois a religião que se torna amiga do estado e inimiga dos comunistas. Essa é uma associação comum no espírito do nosso intelectual, tanto que o levou ao quadro de funcionários e ideólogos do Estado Novo em Pernambuco, durante o Governo de Agamenon Magalhães5 , reafirmando a importância, para ele vital, da associação entre Estado e Igreja. A fé seria o alimento primordial para o espírito, para a construção da nação e manutenção da ordem6 . Dizemos então, que a forte religiosidade do cearamirinense se traduz em suas escolhas profissionais e intelectuais
Grande parte da produção intelectual de Nilo Pereira é devotada à história da religião no Brasil, tendo publicado livros como O fator religioso na história brasileira (1956), Dom Vital e a questão religiosa no Brasil (1966), Conflitos entre a Igreja e o Estado no Brasil (1970), O seminário de Olinda e a Independência e a questão religiosa (1972). Afirmamos ainda que o traço religioso da personalidade de Nilo também está presente nos seus textos memorialísticos. Em Imagens do Ceará-Mirim, por exemplo, o vale, a natureza, aparece o tempo todo recoberto pelas crenças do autor. O Vale é o berço da criação, gênesis da cidade e do homem. O catolicismo do cearamirinense aparece também nas influências intelectuais que marcam a bibliografia produzida por ele.
Percebemos na escrita de Nilo Pereira um diálogo permanente entre suas obras. Personagens, idéias, lugares, imagens transitam de um livro a outro, como acontece em Imagens do Ceará-Mirim, Evocação do Ceará-Mirim e n‟A rosa verde. Mas essa não é uma característica exclusiva dos livros de memória. De um modo geral, todos os livros do autor, sejam eles de História, filosofia ou memórias, são frutos do apego ao passado, da forte ligação com a religião, das relações com os regionalistas e com os autores que influenciaram os intelectuais nordestinos no início do século XX. O traço memorialístico, autobiográfico, está espalhado por toda a sua obra. Isso nos permite perceber que o historiador e o memorialista em Nilo Pereira tem origem na mesma fonte, revelando-nos um homem aficcionado pelo passado. O passado familiar de Nilo Pereira, o tempo da infância no Vale, são temas das memórias, fonte de objetos e inspiração para o historiador
O próprio Nilo afirma que “Ninguém faz história sem vivê-la. Nesse sentido é que tôda história é contemporânea nossa, porque estamos inseridos nela, sentindo a sua palpitação humana e ouvindo até, muitas vêzes, a voz dos seus protagonistas” (PEREIRA, 1986: 29). Por isso, para que possamos sentir e transmitir as palpitações da história, da história de outrem, da nossa própria história, é preciso viver a história, estar dentro dela, inteiro, carregando crenças, verdades e paixões, como encontramos Nilo Pereira nos seus livros e artigos
Dizemos então que a escrita de Nilo está situada entre a história e a memória, guardando fortes elementos de ligação entre essas duas dimensões. Dizemos ainda que o interesse maior de nossa análise não é diferenciar a produção histórica da produção memorialística de Nilo Pereira, mas mostrar os elementos que ligam essas duas dimensões na escrita do autor.
Descobrimos então que falar da escrita desse homem é também falar de viagens, viagens pequenas, viagens longas, viagens ao redor do mundo, viagens por um mundo de papel, viagens pela escrita, viagens pela história, viagens que atravessaram espaço e tempo. A viagem sobre a qual lançamos alguns pequenos fios de luz é essa que Nilo Pereira realiza na vida e na escrita, dando origem a uma tríade que aparece em toda a sua obra: Ceará Mirim/Recife/vale e saudade. É o itinerário dos deslocamentos físicos e emocionais que suscitaram a escrita memorialística de Nilo Pereira que buscamos compreender, mostrando o homem, o espaço e a escrita que foram sendo gestados no decorrer dessas viagens, pois é a partir da viagem de retorno que a cidade e o vale do Ceará Mirim ressurgem aos olhos do autor como o paraíso da infância, o lugar da tradição, objeto central das suas rememorações, o que nos faz pensar na “mobilité comme “déplacement nom seulement dans l‟espace, mais aussi dans le temps” (ROCHE: 12), já que desperta no viajante memórias de outros tempos. No caso de Nilo, levando-o para o mundo da infância. Dizemos então que sua escrita memorialística é produto das viagens, dos reencontros com o vale e a cidade do Ceará Mirim.
FONTE REVISTA AGORA, VITÓRIA, VIA INTERNET
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